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AULA 1: CENÁRIO INICIAL DA FENOMENOLOGIA HUSSERLIANA

Publicado em 17/01/2020

CONTEXTO GERAL DA FENOMENOLOGIA

AULA 1: CENÁRIO INICIAL DA FENOMENOLOGIA HUSSERLIANA

Nos diversos ambientes acadêmicos em que ensinei ou participei de estudos sobre a fenomenologia era comum ouvir as pessoas explicitarem as dificuldades diante desse pensador. A grande maioria dos estudantes acaba iniciando os estudos em Martin Heidegger, desconsiderando a herança que ele mesmo carregou e nem sempre reconheceu. Podemos identificar algumas dificuldades fundamentais para se compreender a fenomenologia.

Extensão da obra de Husserl

O primeiro obstáculo se refere à extensão da obra de Husserl. Em vida ele não se preocupou em organizar ou publicar tudo o que escrevia. Permaneceram os manuscritos taquigrafados¹  a serem transcritos e publicados pelos continuadores de seu pensamento. Sabemos que esses manuscritos poderiam ter tido um destino trágico, a fogueira disseminada pelo governo nazista. Graças ao monge Herman Van Breda, esses manuscritos foram levados às escondidas para a Bélgica e lá foram guardados. Diante desse risco ocorrido, sua obra foi depositada em cópias e arquivada em Lovain (Bélgica), Freiburg (Alemanha), Köln (Alemanha), Escola Superior de Paris (França), Duquesne’s Simon Silverman (USA).

Hoje, a extensão de sua obra é de 42 volumes da Husserliana, 14 volumes de cartas e documentos, 9 volumes de estudos complementares e 13 volumes de estudos específicos. Ainda há pouca coisa traduzida para a língua portuguesa. A extensão de sua obra e o tempo gasto para transcrição e publicação levou muitas pessoas a compreenderem Husserl apenas em um determinado espaço de tempo, o que levou a muitos juízos equivocados. Hoje se entende que do ponto de vista metodológico do estudo do pensamento husserliano seja adotada a perspectiva motivacional, exigindo o pesquisador percorrer um determinado conceito ao longo de toda a obra.

Além disto, a fenomenologia se constituiu desde o início com um movimento que a cada dia mais se estende e cresce. Não se trata de uma filosofia ao modo de sistema, fechada, mas uma abertura do pensamento para outras dimensões da realidade. Assim, por exemplo, quando sua assistente Edith Stein perguntou a Husserl o caminho investigativo que ela poderia trilhar, ele imediatamente abriu sinceramente um tema que ele pouco havia refletido, a empatia²  (Einfullung). E assim Husserl foi fazendo com os vários alunos e participantes dos círculos de estudo por onde lecionava, especialmente Halle, Göttingen e Freiburg. Seus alunos encontraram desde o início a liberdade para o pensar, mantendo-se apenas a metodologia empregada. E isso era o que mais desafiava seus alunos.

O ver fenomenológico

Martin Heidegger, discípulo e assistente de Husserl, em seu texto “O meu caminho na fenomenologia³”  confessa: 

Eu esperava das Investigações Lógicas de Husserl um esclarecimento decisivo para as questões que me suscitara a dissertação de Brentano. Porém, os meus esforços eram vãos, uma vez que, como só muito mais tarde me haveria de dar conta, eu não procurava na direção certa. De qualquer forma, sentia-me tão impressionado pela obra de Husserl, que continuei a lê-la, uma e outra vez, nos anos seguintes, sem chegar a alcançar a noção suficiente daquilo que tão fortemente me prendia a ela.

As Investigações Lógicas são as obras inaugurais do pensamento husserliano e datam de 1900 e 1901. Antes ele publicou Filosofia da aritmética que foi muito criticada pelo matemático, lógico e filósofo Friedrich L. Frege, que pesquisava a fronteira entre a filosofia e a matemática e foi um dos principais criadores da lógica matemática.

A dificuldade encontrada por Martin Heidegger para entender o pensamento fenomenológico não se situava na dimensão do entendimento, mas do ver. Ele diz que somente a partir do momento em que passou a “ver fenomenologicamente” o mundo é que iniciou a compreensão do modo de proceder da fenomenologia. Assim, para muitos alunos, a dificuldade não está na falta de leitura, mas na atitude a ser adotada diante da fenomenologia. Em outras palavras, estamos diante de um novo método de pensar e investigar a realidade. Muitos preconceitos e incompreensões decorrem dessa dificuldade por parte dos leitores de Husserl e seus discípulos.

Heidegger se refere aos estudos junto a Franz Brentano. Este pensador exerceu papel fundamental no desenvolvimento da fenomenologia como da própria psicanálise. Nessa mesma escola estudou também Freud, além de Husserl e Heidegger.

O pensamento de Husserl é de fato muito complexo. Ele mesmo dizia que seus leitores não tinham paciência de acompanhar seus livros e iam entendê-lo através de Max Scheller e Martin Heidegger.

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¹ Husserl usava a Taquigrafia de Gabelsberger, muito comum na Alemanha e Áustria na época.
² Sobre essa questão vale percorrer a reflexão da discípula, assistente de Husserl e primeira mulher alemã com o título de doutorado Edith Stein, martirizada em Auschwitz.
³ HEIDEGGER, Martin. O meu caminho para a fenomenologia. Covilhã (Portugal): LusoSofia Press, 2009. P. 4.


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