A propósito de críticas
recentes ao trabalho com as constelações e à Associação Alemã para Constelações
Sistêmicas (DGfS)
Jakob
Robert Schneider
Caros colegas
Por ocasião de minha despedida
como presidente da DGfS, quero dirigir-lhes algumas palavras. Considero o
biênio que passou como uma fase de transição para uma nova geração de
consteladores, que agora assume a responsabilidade pela nossa associação.
Desejo à nova presidente Barbara Innecken e aos novos integrantes da
equipe de trabalho uma feliz e proveitosa colaboração, em favor da estabilidade
e do desenvolvimento da DGfS, juntamente com aqueles que mantiveram suas
importantes tarefas na direção. Penso sobretudo em Wilfried De Philipp na
imprescindível gerência financeira, e em todos os que continuam exercendo suas
importantes tarefas nas comissões de reconhecimento e de formação. Na medida em
que cada um de nós puder oferecer um bom e útil trabalho com as constelações,
teremos uma base necessária e confiável para o futuro de nossa associação, e
não precisarei recear por ela. Mantenho-me ligado como membro da associação e
na redação desta revista.
Sobre críticas recente ao
trabalho com constelações e à DGfS
Em vez de apresentar no final
de minha gestão um panorama sobre a situação da DGfS, prefiro abordar nesta
oportunidade o ressurgimento da crítica externa.
Mais uma vez, um livro
recente, Die Seelenpfuscher (Os incompetentes da alma) de Heike Dierbach, faz
pesadas críticas às constelações familiares, à terapia do abraço segundo Prekop
e a outras terapias, incluindo a todas elas no número das “pseudoterapias que
causam doenças”. Embora as críticas não sejam novas, pela primeira vez também a
DGfS foi atacada.
Como devemos lidar com isso?
Inicialmente, as acusações da
autora:
- A constelação familiar é um
método esotérico ou alternativo que carece de fundamentação e de verificação,
utilizado por pessoas sem formação em psicologia ou em medicina. Como a psique
é a parte mais vulnerável do ser humano, o trato com ela pode ter graves
consequências.
- Embora proporcionem
vivências fortes, as constelações familiares não ajudam a curar traumas
antigos, superar comportamentos destrutivos, experimentar mudanças de
comportamento ou reforçar as pessoas em seu caminho de vida. As constelações
familiares foram responsáveis por casos de morte e por muitos danos. Depois
delas, as pessoas se sentem pior ou, quando melhoram, o efeito não dura. Não se
investiga o êxito ou o fracasso das constelações. O entusiasmo de alguns
participantes não compensa o aparecimento de uma psicose num cliente após uma
constelação.
- Os consteladores que, em sua
maioria, não tem qualificação ou formação, prometem que, com esse método, todos
conseguirão resolver os seus problemas, rapidamente e para sempre.
Os consteladores se apresentam
como agentes de um poder superior. Como parte essencial de seu método, dão
conselhos não solicitados e, em caso de fracasso, atribuem a culpa aos
pacientes.
- Numa psicoterapia séria, os
erros acontecem quando o terapeuta viola as regras do próprio método. Nas
pseudoterapias, como a constelação familiar, o risco consiste justamente em
seguir as regras do próprio método.
- Ao contrário das terapias
que seguem o modelo de Virginia Satir, a criadora do trabalho com constelações,
o método das constelações
familiares pressupõe que nas chamadas “ordens do amor” acontece algo que
transcende os indivíduos, e pressupõe a existência de um “campo dotado de
conhecimento”.
Sugere-se que a família não
tem o poder de escolher a forma como deseja viver, mas que ela lhe é prescrita
por um poder superior. E afirma-se que os pacientes se curam quando se
conformam com isso, e ficam doentes quando não se conformam. A imagem do ser
humano em Bert Hellinger é extremamente conservadora, e a invenção do “campo
dotado de conhecimento” confere aos consteladores e aos representantes um poder
quase absoluto sobre os pacientes.
A introdução de um “poder
superior” fere princípios centrais da psicoterapia.
E falar de um “campo ciente” a
alguém que já tem dificuldade para permanecer na realidade é uma atitude
totalmente irresponsável em termos terapêuticos.
- A compulsão para repetir já
é conhecida pelas terapias sérias, que entretanto a consideram como o resultado
de uma aprendizagem. Também os fenômenos da representação são fenômenos
corriqueiros. Quando um representante é visto como um avô, é natural que ele
também se sinta como um avô, mas isso nada tem a ver com o avô real. Nas
constelações, os participantes percebem justamente aquilo que o constelador
espera que eles percebam. ( ? )
- Os consteladores se
abastecem ao seu bel prazer no repertório de Bert Hellinger, e não se
interessam por uma verificação. O método é anti-científico, e as poucas
pesquisas existentes foram realizadas pelos próprios consteladores, pelo que
não podem ser levadas a sério.
- Embora a DGfS se preocupe em
distinguir entre a psicoterapia e o aconselhamento, muitos aconselhadores
proclamam que as constelações permitem rastrear a origem de doenças
psicossomáticas.
Na prática, sempre que se
trata de danos graves, tais como abuso sexual, tendências de suicídio e doenças
como depressão e anorexia, as constelações sempre se movem no domínio da
psicoterapia.
-As universidades populares
que oferecem constelações familiares perdem a sua seriedade.
É também inadmissível que
universidades acolham trabalhos de diplomação cujo tema seja o método das
constelações familiares.
A tentativa de propor a outras
associações esse método é simplesmente um esforço para fingir seriedade.
A Associação Sistêmica e a
Associação Alemã para Terapia Sistêmica e Terapia Familiar não se distanciam
decisivamente de Bert Hellinger e do trabalho das constelações familiares.
Ora, uma terapia séria não é
compatível com a constelação familiar.
Quando associações
profissionais sérias se envolvem com constelações familiares, é preciso que,
pelo menos, elas tomem uma clara distância de Hellinger, sem recorrer ao “campo
ciente” ou a análises místicas.
- Os participantes de
constelações familiares não podem ser censurados, pois muitas vezes não
conseguem rapidamente uma vaga em terapias sérias e ignoram os riscos que estão
correndo. Quando psicoterapeutas formados se interessam pelas constelações
familiares, isso acontece porque também eles são apenas seres humanos, e isso
lhes permite dar vazão a seus sentimentos agressivos e até mesmo ganhar
dinheiro.
Em suma, segundo a autora, “a
constelação familiar é uma roleta russa com a psique”. Trata-se, portanto, de
uma carga cerrada.
Dando um passo para o lado
para sair da linha de tiro e tomar uma respiração, procurarei avaliar, por um
lado, as acusações levantadas e, por outro, as atitudes que, ao meu ver,
deveríamos adotar em relação ao nosso trabalho das constelações, para que ele
possa ter a máxima eficiência e produzir os seus efeitos benéficos.
Avaliação das críticas
Diante de críticos como Heike
Dierbach não temos chances de argumentar. Ela descarta a priori qualquer
discussão pró e contra, pois isso seria admitir que a constelação familiar seja
colocada em pé de igualdade com as chamadas “psicoterapias sérias”. Como muitos
dos críticos anteriores, ela se isola desde o início, e não se dispõe a fazer
um esforço sério para entender o que acontece nas constelações.
Esse preconceito já é antigo,
e consiste numa reação alérgica a certos conceitos como “ordens do amor”,
“destino”, “campo ciente”, ou à própria pessoa de Bert Hellinger.
Admitimos que o trabalho das
constelações, em vários de seus pressupostos e experiências, não se conforma ao
Zeitgeist (espírito da época) da psicoterapia. Mas chavões como “insensatez”,
“incompetência”, “imagem do ser humano excessivamente conservadora”, “análises
místicas” não substituem argumentos. A afirmação da autora, de que ela apresenta
em seu livro os fundamentos teóricos e a técnica dos métodos alternativos
criticados, não é verdadeira, pelo menos no que toca às constelações familiares
(ainda não examinei o que se diz sobre os outros métodos). Uma análise
superficial basta para constatar que o livro revela um completo desconhecimento
dos múltiplos processos do trabalho com as constelações.
-A autora repete sempre que as
constelações desencadearam sentimentos de suicídio, psicoses e outras sérias
perturbações psíquicas, e que aconteceram casos de morte depois de
constelações. Mas onde estão os números e os relatos concretos? Onde é que
realmente ficou provada uma conexão entre os fatos alegados e as constelações?
- Como são justamente, as
pessoas gravemente afetadas que costumam recorrer a métodos alternativos,
porque não encontraram ajuda na rede psicológica, psiquiátrica, social e médica
convencional, ou julgam que não a encontrarão aí, é natural que essas graves
perturbações psíquicas se manifestem durante as constelações e depois delas. O
método das constelações não é uma garantia de cura, e muitas vezes o
comparecimento a um workshop é apenas um episódio a mais na odisséia de cura de
um cliente. Tendo em vista a geral dificuldade de obter ajuda, em casos de
graves perturbações psíquicas, inclusive dentro da rede psicossocial
reconhecida, concluir que o trabalho das constelações envolve um risco especial
é, pelo menos no rigor do termo, algo inaceitável para mim. De resto,
desencadear não significa causar, embora se deva também assumir uma certa
responsabilidade com relação aos fatores desencadeantes.
- O trabalho com as
constelações é censurado por não ser científico e por não investigar os seus
resultados. Ao mesmo tempo, somos advertidos a não examinar cientificamente
esse trabalho. Como sair desse dilema? Felizmente, alguns cientistas já se
posicionaram a favor da realização de pesquisas sobre o trabalho com as
constelações, e analisam com seriedade o que acontece nelas. Esse processo
ainda está começando, mas se intensificará. Pois o grande potencial do trabalho
das constelações, que é eficiente na prática e teoricamente interessante, já não
pode ser facilmente descartado por razões ideológicas. Também alguns
consteladores se interessam pessoalmente pela realização de pesquisas
metódicas. Membros de nossa Associação já apresentaram as primeiras
dissertações e teses doutorais de alcance internacional. (ver Praxis der
Systemaufstellung 2/2009, p. 65-73). Mesmo prescindindo disso, não se percebe
um mínimo de cientificidade nas afirmações da Sra. Dierbach. Onde é que ela
prova, por exemplo, que as sugestões dos consteladores influenciam os representantes?
Excetuados alguns casos, que a autora explora, com uma visão extremamente
simplista, a favor de seus próprios argumentos, onde é que os processos das
constelações são analisados em todas as suas facetas? Ora, um abundante
material já foi publicado sobre esse ponto.
- O método da constelação de
sistemas de relacionamento não foi desenvolvido em universidades mas no
“mercado livre” da ajuda. Por esta razão, não dispomos até o momento, com
pouquíssimas exceções, de pessoal, know-how e recursos para promover efetivas
investigações e pesquisas científicas. Quanto mais as universidades se
interessarem pelas constelações familiares – e esse processo já começou – tanto
mais pesquisas científicas existirão.
- Além disso, já é possível,
com alguma razão, criticar a inadequação dos métodos convencionais de pesquisa
e das teorias usuais, no que toca ao domínio complexo da psique e das relações
humanas. A ciência nem sempre favorece o conhecimento; muitas vezes ela também
o impede, quando uma nova abordagem não se ajusta aos modelos em voga. Com isso,
os novos procedimentos só podem ser desenvolvidos fora dos arraiais da ciência.
- A falta de um método
cientificamente padronizado não significa, porém, que não recebamos
indiretamente muitas indicações sobre a eficácia de nosso trabalho. Muitos
consteladores oferecem um trabalho individual complementar, onde as
constelações se inserem no contexto de um atendimento mais longo em
aconselhamento ou terapia, com o correspondente feed-back. Antigos
participantes, anos depois da própria constelação, continuam a recomendar o
trabalho. Membros da mesma família comparecem sucessivamente a constelações e
relatam os seus efeitos. Muitos participantes de grupos de constelações tornam
a inscrever-se, depois de certo tempo, com suas questões, e relatam o que mudou
em suas vidas e o que permaneceu inalterado.
- Por que razão as
constelações familiares e outras constelações sistêmicas se difundiram tão
ampla e rapidamente, inclusive em âmbito internacional? Será porque tantas
pessoas em busca de ajuda não encontram rapidamente um lugar na pretensa terapia
séria? Será porque elas buscam vivências fortes e ignoram os seus riscos? A
Sra. Dierbach pretende proteger os participantes dos seminários de
constelações. Afirma que não se pode censurá-los, pois eles são buscadores que
foram transformados em vítimas de um método não científico, utilizado por
incompetentes. E diz que os psicoterapeutas formados que utilizam o método das
constelações são apenas seres humanos com suas fraquezas. Que imagem humana é
essa? Nela eu não reconheço os participantes de meus cursos, nem a mim
pessoalmente.
- O trabalho das constelações
revela não apenas as carências das pessoas, mas também as suas realizações de
vida, sua força e competência. Os clientes são geralmente pessoas com
capacidade de julgamento, que não se deixam facilmente iludir ou manipular. Todos
eles sabem ou aprendem que o que irá ajudá-los não é a constelação do
dirigente, ou o que ele possa pensar sobre a ordem, mas aquilo que nas
constelações se manifesta e abre caminhos, e aquilo que eles mesmos vivenciam
nas constelações. Ouso afirmar que esse modo de ver da Sra. Dierbach e de
outros críticos, pretendendo proteger pessoas em necessidade psíquica para
defendê-las do abuso de sua busca, desonra os participantes e os consteladores,
tratando-os como inexperientes, temerários e vítimas. Para mim, depois de
tantos encontros comoventes com as mais diversas pessoas nas constelações, isso
é algo difícil de suportar.
- Apesar das confrontações
aparentemente duras com as realidades incômodas de vinculação e desvinculação
nos relacionamentos - ou mesmo por causa delas -, posso afirmar que o método
das constelações, pelo menos em princípio, leva mais a sério os clientes nas
constelações, no que toca à sua responsabilidade, competência e liberdade
pessoal, do que várias das chamadas “terapias sérias”.
Que atitudes deveriam tomar
em face das críticas?
Penso que, como membros da
DGfS, deveríamos assumir duas atitudes em face dos fortes ataques dos críticos:
por um lado, não devemos deixar-nos impressionar; por outro, podemos aproveitar
essas críticas como uma oportunidade para exercer uma cuidadosa e constante
vigilância sobre o nosso trabalho, fiscalizando-o e desenvolvendo-o,
principalmente nos pontos nevrálgicos.
Julgo que cometeríamos um erro
se ficássemos a reboque das críticas, num ansioso esforço para desmontá-las até
que não subsistissem críticas ao nosso trabalho. Quando contemplo, em seus 25
anos, a história das constelações familiares, só posso recomendar uma justa
consciência desse trabalho tão útil, benéfico e interessante. Essa riqueza de
experiências humanas, a amplitude e a eficácia dessa ajuda, a profundidade,
aliada à simplicidade, de muitas dessas intuições sobre as realidades psíquicas
– nada disso é visto ou tocado pela crítica. Muitos dentre nós ostentam
suficientes e, por vezes, extraordinários conhecimentos e experiências em
diversos métodos terapêuticos e em variados campos de aconselhamento. Essa
capacidade de julgamento não pode ser simplesmente ignorada e aviltada, sem
falar da qualidade humana que constantemente vivencio em muitos colegas no país
e no exterior.
Julgo que não faria sentido e
seria totalmente inadequado distanciar-nos tanto de Bert Hellinger, que tudo o
que ele fundou e desenvolveu baseado em muitas influências, para a sustentação
e a evolução desse trabalho, devesse desaparecer de nossa experiência e de
nossas mentes. Também dentro de nossas fileiras tem sido feita bastante crítica
a Bert Hellinger. Mas muitos dentre nós justificadamente o valorizamos pela
ajuda e pelo estímulo que pessoalmente recebemos dele, de modo que não
poderíamos, sem prejuízo para nós e para nossa atividade como consteladores,
retroceder para antes do ponto de partida, rejeitando, em razão das críticas
públicas, algo que se tornou importante em nosso trabalho.
A DGfS não é uma associação
vinculada a Bert Hellinger. Não nos limitamos a fazer uma escolha arbitrária
entre as suas propostas. [2] A
maioria de nós já deu há tempos uma configuração pessoal ao próprio trabalho
sistêmico, onde confluem elementos pessoais e de muitos outros métodos e
teorias, e constantemente se desenvolvem aspectos novos. Mas devemos renegar a
origem? Com isso tiraríamos, em maior ou menor grau, o chão debaixo de nossos
pés. Aliás, isso não traria proveito, porque a intenção básica da crítica
radical é destruir o nosso trabalho em suas raízes. E a Sra. Dierbach não ataca
somente Hellinger, mas também a nossa associação.
Alguns critérios para o nosso
trabalho
Algumas vezes, porém, nós
também facilitamos as críticas. Gostaria de mencionar...
-Alguns critérios que
considero importantes para o desenvolvimento de um cuidadoso trabalho com as
constelações:
- Por mais desejável que seja,
em diversos contextos, realizar experimentos com constelações, o lugar central
do trabalho, sempre que esteja em causa uma necessidade do cliente, deve caber
a ele: ao seu problema, à sua urgência, ao seu objetivo. O constelador, o
grupo, os representantes existem em função do cliente, e não vice-versa.
- Na medida do possível, é
preciso que o cliente tenha clareza sobre o que acontece em sua constelação,
mesmo que só possa tê-la depois de algum tempo, ou que aconteçam soluções
eficazes sem que haja uma percepção consciente por parte dele.[3]
De que aproveita a verdade de
uma constelação, se o cliente não é capaz de recebê-la?
Durante o último congresso
internacional em Colônia, doeu-me ouvir casualmente uma conversa de colegas, na
qual um constelador falava de uma brilhante constelação, onde ele próprio, os
representantes e o grupo se emocionaram muito e apenas o cliente se fechou e
nada entendeu.
-Quando as constelações não
estiverem vinculadas a um contexto terapêutico, a ajuda ao cliente pode
perfeitamente limitar-se ao tempo de sua participação num grupo. Contudo,
durante esse tempo é preciso que nasça uma relação entre o constelador e o
cliente, que permita a este voltar a procurá-lo se não conseguir processar a
constelação, se continuar sentindo-se mal depois dela ou tiver outras questões
que tenham nascido da constelação.
- Como qualquer outra ajuda,
as constelações não se destinam a fazer com que as pessoas se sintam bem no
menor prazo possível. Não pertencem à indústria do bem-estar. Isto, entretanto,
não significa que não devamos ter a capacidade e a vontade de lidar com as
emoções negativas ou mesmo destrutivas do cliente, associadas às constelações,
de modo a resolvê-las.
-O trabalho das constelações é
um método orientado para soluções. Apesar de ser uma prática destituída de
intenções, ela é direcionada a que o cliente possa mudar positivamente algo em
sua vida, crescer como pessoa e em seus relacionamentos, e que algo se cure em
sua alma.Seria uma presunção de nossa parte atribuir-nos o poder de
simplesmente sanar o impacto de uma história de vida pessoal e familiar
inserida em contextos mais amplos. Não obstante, a constelação existe para que
o cliente possa reorientar-se e encontrar uma saída ou uma forma de prosseguir
em sua vida.
- Na medida em que trabalhamos
nos habituais contextos de aconselhamento e de psicoterapia, os elementos
espirituais ou místicos que, com uma certa freqüência, penetram em nosso
trabalho, não devem ser tratados como algo sagrado que não possa ser
questionado ou que se apresente como um saber intocável, reservado a um grupo
de “iniciados”. O que constitui o cerne de nosso trabalho são os problemas
comuns da vida nos quadros concretos das relações humanas, mesmo que o contexto
de nossa necessidade frequentemente ultrapasse em muito as nossas experiências
pessoais e familiares imediatas. Toda ajuda envolve um certo grau de
transcendência, no sentido de se ultrapassarem certos limites. Mas ingressar
num espaço maior e mais aberto não significa ingressar no ilimitado. A
espiritualidade está a serviço da vida, e não vice-versa.
- A experiência, embora não
possa ser contestada, é sempre limitada. [4]A
certeza de nossas experiências depende sempre do intercâmbio com os outros,
para que permaneçamos abertos à percepção dos limites delas, de modo que se
insiram corretamente em nossa visão do mundo, e que fiquemos abertos a novas
experiências, às vezes totalmente inesperadas, que nos levam por caminhos
imprevisíveis. Embora minha vivência seja sempre a minha vivência, ninguém
vivencia sozinho. Nossa certeza não se baseia apenas em nossa mente pensante,
mas também na coexistência humana e na percepção de que os outros são
relacionados a nós, assim como nós a eles.
- Não basta querermos
convencer alguém de nosso trabalho dizendo-lhe que só precisa experimentá-lo e
vivenciá-lo. Devemos também relatar algo sobre o nosso trabalho e torná-lo
suficientemente compreensível em termos teóricos, de modo que, mesmo encarado
de fora, ele pareça plausível, interessante e atraente. Seria lastimável que o
nosso trabalho se tornasse tão esotérico que só pudesse ser entendido por
“iniciados”.
- Ciência não é algo que se
oponha à vivência ou à experiência, nem mesmo à experiência espiritual. Ela é
uma determinada abordagem do conhecimento, da explicação da realidade e de
sua modificação. [5] Embora
as teorias científicas às vezes precedam uma experiência, na maioria dos casos
elas explicam posteriormente o que antes foi experimentado e se revelou como
proveitoso. No momento em que constelamos, não pensamos em ciência. Porém,
quando refletimos sobre o nosso trabalho, não devemos ter medo de permitir,
utilizar e promover os pertinentes questionamentos científicos. Faz plenamente
sentido que nos interroguemos sobre o que entendemos por “ordens do amor”,
“destino”, “vinculação”, “consciência”, “sistema”, “alma”, “espírito”, “atitude
fenomenológica”, “campo ciente”, etc. Faz muito sentido que investiguemos com
cuidado o que acontece nas constelações, para compreender os variados processos
que podem ser observados e utilizar essa compreensão para novos
desenvolvimentos, com a finalidade de melhorar e tornar mais eficiente o nosso
trabalho. Estou convencido de que, nas diversas dimensões da realidade que se
manifestam nas constelações, também existe um enorme potencial para a
compreensão científica dos relacionamentos, da psique humana e dos processos de
integração entre o corpo, a alma e o espírito. A vontade de saber é algo que se
coaduna muito com o nosso trabalho. O conhecimento pressupõe o espanto diante
da realidade que se manifesta a nós. Não compartilho o medo de que o
conhecimento possa diminuir a realidade, impedindo uma experiência profunda.
- Convém que, no contexto do
nosso trabalho, também procedamos de uma maneira “culta”. Isto envolve, a meu
ver, agir de modo inteligente e responsável, distinguir entre o que é sensato e
o que é irracional, fazer associações mentais, utilizar analogias úteis e
contribuir, com determinados conhecimentos gerais e universais pelo bem da
causa. [6]
- A atitude fenomenológica não
consiste numa carta branca para ver surgindo do oculto toda espécie
imaginável de coisas. Ela se refere exclusivamente ao que se manifesta
como um fenômeno nas constelações. O “logos” (o sentido) também tem o seu lugar
aí. Portanto, é preciso que nos perguntemos: - Que sentido e que conexão isso
manifesta? E como esse sentido pode ser expresso em termos de linguagem?
- Recomenda-se que, na
divulgação do próprio trabalho com constelações, procedamos com cautela e de
acordo com as normas legais. Quem não tem licença para práticas de cura não
está autorizado a curar e também não deve despertar expectativas de que o fará.
Justamente quando se trata de problemas físicos, psicossomáticos e
psiquiátricos, o foco do trabalho da constelação é dirigido ao aspecto
sistêmico, seja no interior da alma ou no contexto dos sistemas de relações.
Nossa questão é saber o que pode ou precisa ser curado na psique e nas
relações, e que seja igualmente proveitoso para quem tem saúde e para quem
suporta uma doença ou um sintoma.
Naturalmente, não é fácil
traçar limites neste campo. As constelações não são uma psicoterapia, mas uma
forma de ajuda à vida. Entretanto, podemos alegar que, com as constelações em
grupos ou em consultas individuais, oferecemos ajuda à vida, à semelhança das
variadas instâncias de aconselhamento. [7] O
trato com doenças e sintomas não é um domínio exclusivo da medicina e da
psicoterapia. O aconselhamento ainda não foi regulamentado na Alemanha – e com
razão, penso eu, dadas as múltiplas questões e implicações que isso envolve.[8]
A DGfS e o campo de
trabalho das constelações
Como membros da DGfS, mantemos
esta associação especializada com a finalidade de permanecermos em intercâmbio
e promovermos um cuidadoso e conveniente trabalho com as constelações,
movendo-nos num espaço público. Isso envolve crítica externa e questionamento
interno. Desde o início, quando Gunthard Weber reuniu alguns dos primeiros
“discípulos” de Bert Hellinger, o que se visava, em primeiro lugar, era o
intercâmbio – então em estreito contato com o próprio Hellinger – e o desejo de
promover e difundir, de forma responsável, o método de constelar sistemas de
relações, que tinha sido vivenciado como muito positivo e proveitoso, e julgado
plenamente eficiente por nada excluir das vivências humanas. Esse processo
continua e faz progressos. Portanto, participem e apoiem a nossa associação.
A DGfS elaborou diretrizes
para o reconhecimento de consteladores, treinadores e cursos de formação. Muito
me alegraria se essas diretrizes não forem consideradas como limitações, e sim
como impulsos de crescimento e estímulos para aprimorar a qualidade do
trabalho.
Entrementes, o trabalho das
constelações chegou a uma fase onde ninguém precisa mais de abrir a facão
picadas na floresta virgem dos relacionamentos humanos. Nesse ínterim foi
desbravado um vasto campo das constelações, que precisa ser plantado e
cultivado. Nem todos nós somos descobridores; na maioria, somos utilizados como
cultivadores. Conheço algumas psicoterapias e métodos de aconselhamento. Em
nenhuma dessas abordagens sinto-me tão ligado à vida, à história, ao humano e
tão próximo das pessoas que buscam ajuda e de suas famílias, quanto no trabalho
das constelações. Ele é válido e oferece um sólido fundamento para a nossa
“construção urbana”: a ajuda que prestamos, com as constelações, a pessoas em
necessidade quanto a seus relacionamentos e aos fatos básicos da vida.
Desejo a todos os membros da
associação e a todos os demais consteladores muita alegria, reconhecimento e
êxito neste nosso trabalho.
Traduzido por Newton Queiroz,
Rio de Janeiro, agosto de 2010.
Nota do Tradutor - O original
desta comunicação foi publicado na revista da DGfS “Praxis der
Systemaufstellung” nº 1/ 2010, p. 105-110. Posteriormente, respondendo a
perguntas do tradutor, o Autor forneceu esclarecimentos ao texto, que foram
inseridos em notas de rodapé.
[1] Deutsche
Gesellschaft für Systemaufstellungen, que na presente tradução é geralmente
citada pela sigla DGfS. (N.T.)
[2] “Não
escolhemos entre as suas intuições apenas o que nos convém, mas nos mantemos
fiéis às orientações básicas sobre o trabalho das constelações, sobre a base
colocada por Hellinger.” (Esclarecimento do Autor).
[3] “Por
exemplo, quando o cliente diz: ‘Não entendi a constelação, mas sinto-me muito
aliviado’. (Esclarecimento do Autor)
[4] “Quando
alguém teve uma experiência importante para ele, não podemos dizer de fora:
‘Sua experiência é falsa’. Mas cada experiência é naturalmente limitada. Não
posso declarar, sem mais, que minha experiência tem uma validade geral.”
(Esclarecimento do Autor)
[5] “A
ciência é um método com o qual tentamos explicar e entender a realidade, com
uma certa reivindicação de validade geral.”(Esclarecimento do Autor)
[6] “Isto
é, em favor do trabalho da constelação e de um trabalho que traga ajuda aos
clientes.” (Esclarecimento do Autor)
[7] “...isto
é, com os mesmos direitos e deveres. Pois o trabalho das constelações não é em
primeira linha um método de psicoterapia, mas de aconselhamento.”
(Esclarecimento do Autor)
[8] “Seria
muito difícil regulamentar o aconselhamento, de forma semelhante ao que se faz
com a psicoterapia. Portanto podem ser aduzidas boas razões para que não seja
adotada uma regulamentação especial.” (Esclarecimento do Autor)