Jakob Robert Schneider
Abordarei a seguir, de uma perspectiva pessoal, alguns
aspectos do trabalho com constelações familiares que podem ser socialmente
desafiadores. Deixo ao leitor discernir o que nisso é realmente novo e leva a
novos modelos da ajuda, e o que apenas provoca os espectadores, embora já goze,
de longa data, de aceitação geral.
A constelação
familiar
Para o nosso entendimento de processos psíquicos, a
vivência de constelações é de fato desafiante. Até mesmo consteladores
experimentados se surpreendem sempre com o que nelas observam e experimentam.
Como é possível que os representantes se sintam, falem e apresentem sintomas
como os membros da família, embora não os conheçam e disponham de pouca ou
nenhuma informação sobre eles? Para esse fenômeno ainda não temos explicação,
muito menos uma explicação científica. Mas nos espantamos, descrevemos os
processos e procuramos, às vezes, imagens ou modelos que os façam aparecer como
compreensíveis e comunicáveis, sem postular explicações precipitadas.
Talvez a explicação mais simples seria esta: o cliente
exterioriza sua imagem interna, e a posição dos representantes reproduz uma
certa estrutura de relacionamento que está arquivada em nosso aparelho de
percepção, com sua respectiva dinâmica. Mas como se explica que os
representantes sintam coisas tão diversas em constelações de configurações
semelhantes ou mesmo idênticas? Por que razão surge nas constelações processos
que tocam emocionalmente o cliente e fazem sentido para ele, mesmo quando o
terapeuta escolhe e coloca os representantes, ou quando se coloca apenas uma
pessoa - para não falar das chamadas “constelações invisíveis” -?
Uma teoria bem aceita entre os círculos de consteladores é
a de Ruppert Sheldrake e seus “campos morfogenéticos”. Entretanto, mesmo ela só
nos fornece até o momento uma explicação de caráter mais metafórico. Mas a
falta de uma explicação científica para um fenômeno observável não prova a
inexistência desse fenômeno. As observações de uma “participação psíquica” para
além das informações comunicadas são tão numerosas e tão independentes da
experimentação dos consteladores individuais que também pode ser útil a
observação atenta de pessoas externas à “cena”.
Por exemplo, um representante coloca de repente as mãos nos
ouvidos e diz: “Não estou escutando nada” e o cliente que colocou as pessoas
diz, estupefato: “Meu irmão, quando era pequeno, ficou soterrado na guerra e
desde então ficou surdo”. O que acontece num caso como este?
Outro exemplo: O representante do irmão de uma cliente é
introduzido na constelação dela, e a representante da cliente exclama: “Não
tenho mais o antebraço”, e a cliente exclama, espantada: “Meu irmão teve de
amputar o antebraço aos vinte anos depois de um acidente”. O que explica este
caso?
Mais um exemplo: Numa constelação, o representante do avô
da cliente leva ambos os braços ao rosto. Perguntado sobre o que acontece,
responde: “Algo me atinge os olhos e me arranca a cabeça”. Com efeito, esse
avô, quando mostrava à sua tropa como desarmar uma granada, a fizera explodir
por descuido e ela lhe arrancou a cabeça. E não foi dada informação prévia
sobre esse fato.
Tais exemplos poderiam prosseguir indefinidamente.
Naturalmente, tais observações dramáticas não constituem a regra nas
constelações, porém são suficientemente frequentes para gerar confiança no que
se manifesta nelas.
Um professor que veio participar de grupo com ceticismo,
escreveu posteriormente numa carta: “... Embora me pareça haver muito de
verdade na forma de ver o mundo como uma união de almas, na necessidade de
intervir reconciliando e de proporcionar a cada criatura seu lugar condigno,
parece-me um mistério que pessoas estranhas fiquem disponíveis e caiam em bloco
sob o feitiço de pessoas inteiramente desconhecidas, comportando-se como elas.
Minha própria constelação atestou isso, na medida em que os representantes
agiram de um modo incrivelmente “autêntico”, inclusive em alguns detalhes que
não puderam perceber de nossa conversa preliminar, por exemplo, a reação de
minha filha...” Todos os consteladores conhecem declarações e surpreendentes
concordâncias como esta, mas essas experiências não são constituem provas.
Seria preciso sermos cegos se pretendêssemos simplesmente ignorar esses
fenômenos que questionam nosso entendimento atual de processos de informação.
Explicar os fenômenos das constelações como frutos de
sugestão pelo constelador ou como uma espécie de mágica de grupo ou mesmo como
charlatanismo seria igualmente precário. Presume-se que, dentro de prazos
previsíveis, os cientistas irão examinar em que medida o recurso à constelação
será válido para a pesquisa sociopsicológica e para os processos terapêuticos,
e irão desenvolver novas teorias, talvez fundamentadas, sobre essa difusão de
informação em contextos anímicos e comunicativos. Também em muitos domínios das
ciências naturais a teoria frequentemente se segue à observação. A falta de uma
teoria não significa ainda que estamos nos movimentamos em áreas esotéricas.
Além do mais, muitas teorias até aqui não confirmadas da moderna física, por
exemplo, a teoria dos universos paralelos, fazem um efeito bem mais espetacular
e “esotérico” do que o que observamos nas constelações.
A alma – o
“campo dotado de saber”
As constelações familiares se referem de uma nova maneira
àquilo que chamamos de “alma”. Podemos denominar assim a força invisível que
animando (ou pelo menos no mundo animado) congrega partes num todo de uma tal
maneira que o todo é mais do que a soma das partes e de suas funções dentro
dele. A alma não se identifica com nossa consciência, pois inclui o
inconsciente. E não se identifica com os processos fisiológicos e físicos em
nosso corpo e em nosso cérebro, embora esteja inseparavelmente unida a eles.
Não se identifica tampouco com nossos sentimentos, embora o sentir seja o modo
de expressão por onde se experimenta a alma.
Ela é antes como o espaço ou o campo que une, ultrapassando
espaço e tempo, tudo o que constitui uma pessoa, criando uma identidade. A
abordagem típica da ciência natural atual, que busca o que “não difere”, a
saber, as partes e partículas e suas mútuas conexões, exclui por seu próprio
método a possibilidade de descobrir uma alma. Porém nossa experiência
quotidiana se dirige ao que é “mais do que”. Não há conversa, nem arte, nem
política, nem vida de relacionamento sem participação da alma. Como a
experiência psíquica não pode ser reduzida ao que material e quantificável, a
língua desenvolveu “palavras da alma” como liberdade, paciência, espírito,
coragem, amor, etc. O que entendemos por “amor” não pode ser adequadamente
entendido a partir de genes ou de funções do cérebro.
Sabemos que para falar dos domínios da alma dependemos de
imagens, metáforas, imprecisões, vivências, experiências, intuições
perceptivas, bem como da função anímica da avaliação sensitiva e de coisas
semelhantes. Por mais que as ciências da natureza nos ajudem com seus
conhecimentos e nos obriguem, por exemplo, a repensar nossa liberdade de
decisão, a ocupação com a alma, que ultrapassa o âmbito da experiência da vida,
pertence mais às ciências do espírito ou à psicologia como ciência do espírito.
O trabalho com as constelações familiares se apresenta no concerto da teoria e
da prática psicológica modernas de um modo amplo e desafiador, descortinando a
alma redescoberta e suas leis.
Da mesma forma como em nossa alma pessoal somos maiores do
que aquilo que percebemos conscientemente em nós, assim também em todos os
níveis de relações estamos envolvidos em contextos maiores, formados, em termos
anímicos, por “espaços” ou “campos” (tomados como metáforas), que juntam as
partes para constituir algo “mais” e “maior”: uma união familiar, um grupo de
amigos, uma empresa, uma comunidade social, um Estado - que se integra na
natureza e no cosmo como um todo. Essa nossa vinculação, em sua grandeza e totalidade,
recebe frequentemente de Bert Hellinger a denominação de “grande alma”. Isso
não significa para ele algo místico ou do além, mas a totalidade da existência
individual e coletiva, que justamente através das conquistas das ciências
naturais nos aparece de modo cada vez mais misterioso, nos sustentando, ligando
e talvez mesmo dirigindo.
Entre os consteladores também existem divergências sobre a
conveniência e a medida em que se falar de alma. Para alguns isso envolve uma
carga excessivamente mística ou religiosa. Outros não partilham essas
restrições. Pois diariamente, ao abrirmos um jornal ou revista, lemos em
diversos artigos, seja na política, na economia ou na parte esportiva a palavra
“alma” num contexto imediatamente inteligível para cada caso. Por exemplo, em
manchete: “O templo de Ankor e a alma ferida do Camboja: em busca de nossa
identidade”.
Quando se fala de “alma”, seja no trabalho com as
constelações, seja de modo geral na psicoterapia ou na vida quotidiana, isso
não acontece com ânimo anticientífico. Um consultor familiar não pode esperar
que a ciência natural lhe forneça dados e métodos exatos, cientificamente
comprovados e universalmente reconhecidos, para a solução de conflitos
conjugais. Ele trabalha de uma forma mais ampla, orientado por vivências e
pelas “regras da alma”. Uma das realizações de Bert Hellinger é ter condensado
e desenvolvido um modelo preexistente de constelações familiares, reduzindo ao
essencial, de uma forma experimentável, os processos anímicos e os complexos contextos
de relações, e abrindo o acesso a mudanças profundas na alma. Quem se disponha
a nisso pode comprová-lo pela própria prática do próprio Bert Hellinger,
amplamente documentada, e de milhares de consultores e terapeutas.
O sistema
Por ocasião do aconselhamento matrimonial, no mais tardar,
percebe-se que o modelo puramente causal de explicação não é mais utilizável
quando ouvimos um dos parceiros e lhe damos razão, e ouvimos o outro parceiro e
igualmente lhe damos razão. As dinâmicas do relacionamento e os processos da
alma são contextos altamente complexos, que não podem ser suficientemente
apreendidos recorrendo a explicações e conexões causais lineares. Por esta
razão, já vem sendo colocada há mais tempo no domínio psicossocial a seguinte
questão: “Como é possível intervir adequadamente nos sistemas de relação sem se
deixar apanhar nas armadilhas do pensamento e do discurso causal, mas
respeitando ao mesmo tempo a determinação estrutural dos sistemas vivos? A
psicoterapia sistêmica de enfoque construtivista encontrou para isso um caminho
muito elegante. Ela utiliza a estrutura causal da linguagem, por exemplo, por
meio de perguntas circulares, de tal maneira que uma família já não consegue
manter facilmente as descrições causais que sustentam o comportamento
sintomático. O sistema de relações é estimulado por meio de perguntas
hipotéticas a desenvolver por si mesmo comportamentos novos e mais funcionais
para a vida familiar.
Em que medida a constelação familiar é um método sistêmico?
Primeiramente, ela percebe o cliente, desde o início, em conexão com as pessoas
relevantes de seu campo relacional. As constelações permitem experimentar
imediatamente como o comportamento humano apresenta uma multiplicidade dos
aspectos cambiantes, conexões e interações. Até o momento, nenhum outro método
visando informação e intervenção possui uma perspectiva sistêmica tão ampla
como as constelações familiares, abrangendo gerações, embora se deva também
mencionar Ivan Boszormenyi Nagy, Helm Stierlin e outros, que direcionaram a
terapia sistêmica familiar para uma perspectiva multigeneracional.
O simples significado do “emaranhamento” basta para mostrar
que nas constelações não se manifestam apenas os fenômenos individuais causais
lineares do relacionamento. O olhar para o enredamento de destinos e para o
efeito de eventos traumáticos nos sistemas familiares, frequentemente através
de várias gerações, ampliou e aprofundou, de modo impressionante, o pensamento
sistêmico e o correspondente procedimento terapêutico. Nenhum método na
psicoterapia conseguiu até hoje, como as constelações familiares, tornar
visíveis e experimentáveis os processos de compensação sistêmica que atravessam
gerações, colocando à disposição os procedimentos específicos adequados. A
complexidade do que acontece em relacionamentos humanos não contradiz a ação de
regularidades nos relacionamentos. O bater das asas da borboleta, utilizado
como exemplo na Teoria do Caos, introduz, é certo, alguma incerteza no evento
climático, mas não anula suas regularidades e as forças que atuam no conjunto.
Para dizer de outra forma: pertence à essência da sabedoria que ela é capaz de
articular inteligentemente e de modo esclarecedor a regularidade e a
singularidade da situação individual.
Em segundo lugar: Uma constelação se compõe de imagens. Os
sistemas, na medida em que não podem ser descritos de um modo causal, só podem
ser expressos por meio de imagens, linguagem imaginativa e histórias. Através
de uma imagem, um grande número de informações e de processos podem ser percebidas
simultaneamente e como um todo. Desta maneira procedemos constantemente de
forma sistêmica em nossa percepção. Dificilmente um método terapêutico
utilizará isso de uma forma processual e mais concentrada do que as
constelações familiares.
As frases de ligação e solução, às vezes ritualizadas,
atuam igualmente associadas a imagens. Uma constatação ou descrição causal
obtida a partir do que acontece numa constelação serve para trazer à luz uma
“verdade”, mas não é essa verdade. Observações gerais de consteladores, por
exemplo, sobre anorexia, câncer ou psicoses, não são modelos causais de
explicação – mesmo quando são apresentadas como tais -, mas indicações, adquiridas
por experiência, destinadas a instigar no cliente uma atitude de busca que o
leve adiante e faça descobrir. Uma – impossível – dissolução do que acontece na
constelação em passos individuais de causação linear atuaria justamente como
obstáculo para a sua eficácia. As constelações, pelo menos de consteladores
experimentados, estão se tornando cada vez menos faladas e comentadas, e
confiam cada vez mais no que as pessoas podem ver. Portanto, a dinâmica
sistêmica não é ocultada, soterrada ou coarctada pelas palavras. A evidência
sistêmica se introduz na alma do cliente e pode “vibrar em uníssono” no
constelador e nos participantes do grupo, justamente porque não é fragmentada
em observações individuais e em argumentos “compreensíveis” que seriam –
justamente – passíveis de crítica.
Fenomenologia e
verdade
O que significa “verdade” numa constelação? Seria uma
grande incompreensão do que acontece nela tomá-la como concordância entre a
realidade objetiva e o conhecimento, ou como sua expressão em linguagem. A
verdade nas constelações é antes comparável à verdade de uma peça teatral. Ela
se faz presente, de forma algo condensada, na imagem e na linguagem, permitindo
que venha à luz a realidade oculta. As constelações não são uma reprodução da
realidade de um relacionamento. Elas des-velam uma realidade, no sentido do
conceito grego de verdade (a-létheia). Esta é também a essência da arte.
E, como muitas formas de terapia ou de aconselhamento, as constelações dão
muitas vezes um passo além disso. Elas ajudam a assumir a realidade, tal como
ela se apresenta e atua, e a preenchê-la com amor.
Fenomenologia significa, de modo geral, perceber e
descrever a realidade tal como ela se manifesta. Num sentido filosófico mais
elaborado, a fenomenologia se refere a uma forma de experiência, em que a
realidade – através de sua forma de manifestação – se dá a conhecer em sua
essência, seu sentido e seu ser mais profundo. A percepção fenomenológica é
nosso último recurso quando queremos olhar para fenômenos da alma que se
ocultam por trás da superfície de suas aparências. Quem busca ajuda precisa de
um conselho ou de uma terapia para encarar o que ele não pode saber, e para
entendê-lo em sua razão mais profunda.
Na grande maioria das relações sociais dependemos do
conhecimento fenomenológico. Até mesmo uma grande parte de nossas ciências
naturais começa por uma visão do fenômeno. Aquilo que se manifesta nas
constelações sob a forma de conhecimento fenomenológico só se comprova, em
última análise, por seus efeitos e pelo fato de que também outras pessoas vêem,
de repente, o que antes estava oculto. Presumir nos participantes de uma
constelação uma submissão completa ao dirigente do grupo seria enganar-se
redondamente. Os participantes, em sua maioria, olham com muita atenção o que
se passa, e o dirigente do grupo com frequência percebe isto de imediato quando
interpreta erradamente o que acontece na constelação ou quando faz afirmações
implausíveis, contrariando a percepção dos participantes e do cliente.
Para ver precisamos de um “artista” que vê o que se esconde
na profundidade – e aqui “profundidade” não quer dizer algo místico. Ele é
comparável a um rastreador que descobre e interpreta vestígios que permanecem
ocultos a um espectador inexperiente. Como Bert Hellinger e a maioria dos
consteladores não realizam controles posteriores sobre o efeito das
constelações, a percepção dos “rastros” muitas vezes carece de comprovação. Mas
existem suficientes informações de retorno, imediatas ou posteriores, por parte
dos clientes, que atestam a veracidade e a eficácia desse rastreamento.
Naturalmente, a contemplação fenomenológica está sujeita a
fantasias, interpretações equivocadas, erros, construções mentais e pressões de
grupos. Por esta razão, muitos consteladores se treinam constantemente para
voltar a ser receptivos e livres diante da realidade da alma, da forma como ela
se manifesta. As constelações requerem uma extrema contenção do terapeuta no
que toca a perceber, interpretar e agir. Fenomenologicamente verdadeiro é o que
se realiza imediatamente numa constelação e, além dela, na vivência pessoal
imediata, e não o objeto da crença num terapeuta ou numa instância superior. “O
presente é irrefutável”, no dizer de Kafka.
O método fenomenológico aparece como provocante somente
quando se aplicam a uma dinâmica social padrões científicos inadequados e
incompatíveis, ou quando se acredita que a verdade pode ser manejada e
produzida em discursos. A fenomenologia só é provocante para o puro
construtivista que se limita a apurar se “a chave serve”, sem reconhecer uma
certa cognoscibilidade à fechadura e à própria chave. O construtivismo e sua
compreensão da realidade se apresentam associado a um impulso ético. Numa
entrevista ao jornal Die Zeit, Heinz von Förster, um dos epígonos do
construtivismo, afirmou que seu conceito de verdade é o contrário da mentira ou
da inverdade. Por razões éticas, disse ele, excluiria do dicionário a palavra
“verdade”, em razão de toda mentira e infelicidade que já aconteceram em nome
dela. Perguntado sobre o que lhe restaria nesse caso, respondeu: em lugar da
“verdade” (truth), “a confiança” (trust), a confiança que nasce
quando utilizamos nossos olhos e nossos ouvidos. Aliás, esta é uma perfeita
descrição da atitude fenomenológica.
A ordem
As relações não se configuram de um modo caótico e arbitrário,
mesmo quando às vezes são experimentadas dessa forma. Como toda realidade, elas
se subordinam a determinadas ordens. Isto é indiscutível. A questão está em
saber como se originam essas ordens e se podem ser reconhecidas. Frequentemente
Bert Hellinger e outros consteladores são acusados de declarar universalmente
válidas e tentar impor ordens arcaicas, culturalmente condicionadas e há muito
ultrapassadas.
Essa crítica parece compreensível à primeira vista, quando,
por exemplo, se fala da “hierarquia pela origem”, do significado da união
conjugal, de uma mudança de nome ou de uma reverência aos pais. Estamos
acostumados a desconfiar de ordens culturalmente preestabelecidas e a
reivindicar nossa autonomia e emancipação. Quando vemos – e não só em constelações
– o que acontece nas relações, deparamos com algo desafiador, a saber, que
nelas atuam forças ordenadoras, ancoradas em nossa alma como uma marca
biológica e uma realidade coletivamente ordenada, presente no fundo de nosso
inconsciente. Essas forças estão apenas encobertas devido a nossa evolução em
termos individualistas e de razão esclarecida. Uma das conquistas do trabalho
das constelações foi ter nos levado a experimentar essas ordens ou
regulamentações que atuam independentemente de nosso pensamento consciente,
permitindo-nos assim lidar sabiamente com elas. Entretanto, são ordens vivas,
que estão a serviço da sobrevivência, do crescimento e do progresso nos
relacionamentos. Além disso, são ordens que fazem sentido em termos de
evolução. Podemos descobri-las, direta ou indiretamente, nas descrições da
realidade humana presentes na literatura de todos os séculos.
À semelhança das leis da física, essas ordens de
relacionamentos são sempre atuantes. Por exemplo, quem não respeita a lei da
gravidade, cai redondamente no chão, porém aquele que a respeita e percebe em
conexão com outras leis, pode construir aviões. Assim também as regulações da
alma permitem uma série de possibilidades de manipulação, não porém ao
bel-prazer.
A hierarquia pela origem, por exemplo, é uma simples ordem
básica: primeiro vem quem chegou primeiro, em seguida vem quem chegou depois.
Ela vale no interior de um sistema familiar e indica a cada um sua posição e
seu lugar dentro da família. Primeiro vêm os pais, depois os filhos. Entre os
filhos, primeiro vem o mais velho, depois o segundo e o terceiro. Em primeiro
lugar vêm os pais. Isto significa que sua sobrevivência tem precedência sobre a
sobrevivência dos filhos. Isso é compreensível em função da sobrevivência do
grupo, pois a sobrevivência dos pais assegura uma nova geração mais rapidamente
que a sobrevivência dos filhos. Todo o restante que faz parte das
transformações culturais da hierarquia da origem resulta disso e deve ser
medido por sua função original. Entretanto, em épocas de superpopulação sua
avaliação pode obedecer a critérios diferentes.
A hierarquia pela origem é completada pela “hierarquia pelo
progresso”. Por outras palavras: entre dois sistemas diferentes, o novo sistema
tem precedência sobre o anterior. Assim, quando os filhos deixam seus pais e se
casam e têm filhos, essa nova família tem precedência sobre a família de
origem. Isso também faz sentido em termos de evolução e de abertura para o
futuro.
É sempre emocionante experimentar como são úteis essas
ordens, básicas mas fundamentais, para configurar relacionamentos e resolver
conflitos. Todo mundo percebe imediatamente, por exemplo, como é útil quando
uma mãe grávida diz à sua filha de três anos: “Você vai ganhar um irmão. No
início eu precisarei cuidar muito dele, do mesmo jeito como você mesma precisou
muito de mim quando era bebê. Mas você será sempre a minha filha primeira e a
mais velha”.
As ordens do amor contribuem para o sucesso dos
relacionamentos. Elas são geralmente imediatamente compreensíveis e fundam numa
base confiável as relações entre pais e filhos, homem e mulher, e dentro do clã
familiar. Aqui as constelações familiares realmente proporcionam ajuda e
orientação. O grande interesse delas se prende à capacidade de solucionar que
possuem as “ordens do amor”. Muitas oposições contra essas ordens se relacionam
menos à emancipação cultural e pessoal do que a outros contextos, muitas vezes
inconscientes.
Uma mulher foi a um grupo devido a problemas no casamento.
Tinha mantido “naturalmente” o seu sobrenome de solteira e também o filho único
conservou o sobrenome da mãe.2 Era a mais nova de três irmãs. Quando o
terapeuta disse: “Talvez vocês conservaram o seu nome de solteira para que seu
pai tivesse um descendente de sua estirpe”, - vieram-lhe lágrimas e ela
confirmou com a cabeça.
Será mostrado em que medida essas ordens mudam de acordo
com a evolução humana. Mas deve ficar claro que a realidade não se orienta de
acordo com o nosso arbítrio e a nossa opinião. O movimento ecológico demonstrou
que quando nossa ação desrespeita as regulamentações e seus efeitos de longo
prazo, ela acarreta resultados danosos e até funestos. As “ordens do amor”
representam talvez uma transposição do pensamento e da ação ecológica para o
domínio das relações. Elas também nos permitem levar em conta em nossos
relacionamentos os efeitos de longo prazo que nosso comportamento produz nas
gerações subsequentes. Como podemos estruturar nossas relações, de modo que
nossos filhos e os filhos de nossos filhos não precisem pagar o seu preço?
Mesmo em nossa época, com toda a aparente amizade pelos filhos, temos a
tendência de sacrificá-los não só por necessidade, mas também por vergonha, medo,
interesse próprio e falsa autonomia e emancipação.
O destino
A compreensão de nosso destino e o assentimento a ele estão
no cerne do trabalho das constelações. Chamamos de destino as forças que,
vindas do passado, nos ligam inelutavelmente ao efeito bom ou funesto de certos
eventos. O efeito dos acontecimentos nos é imposto, quer o queiramos ou não, e
não temos a possibilidade de interferir nele. A força do destino se revela, em
relação a acontecimentos traumáticos numa família, de uma forma às vezes
inquietante. Nas constelações experimentamos constantemente, e de modo
impressionante, que somos muito pouco livres e reeditamos em própria vida, sem
o saber nem querer, destinos passados e acontecimentos dolorosos, numa espécie
de compulsão repetitiva. O efeito maior das constelações consiste em nos fazer
perceber como, sem necessidades próprias, revivemos necessidades passadas e não
aquietadas de outras pessoas, como se o que passou tivesse de ficar em paz e se
tornar definitivamente passado. Este é o pão habitual do trabalho com
constelações.
A concordância com a ligação ao destino significa por acaso
fatalismo? De maneira nenhuma. Pelo contrário. É verdade que a configuração de
nossa vida pelos destinos anteriores não pode ser anulada, mas para o futuro
nos tornamos mais livres através do que se mostra nas constelações. Então o
destino alheio poderá ser de algum modo exteriorizado, tornando-se uma
interface à qual já não estamos cegamente entregues. Pois a alma não liga
indissoluvelmente a destinos, ela nos libera deles através de um insight, de um
movimento próprio inconsciente ou, às vezes, de um modo totalmente casual (com
ou sem constelação).
Numa época em que às vezes julgamos que nossa vida está
completamente em nossas mãos - uma ilusão de muitos individualistas -, o
reconhecimento do destino e o assentimento à ligação com o destino próprio e
alheio constitui um desafio. Tanto nos acostumamos à ideia de uma livre razão e
de uma autonomia individual que nos recusamos a reconhecer o que em épocas
passadas foi descrito como daimonía e eudaimonía – a triste sina
e a felicidade presenteada. O trabalho das constelações é seguramente uma
afronta a uma psicoterapia que valoriza acima de tudo a autonomia e a
emancipação individual e considera a humildade como uma submissão. Porém basta
ler jornais e romances para perceber como atua o destino e como o nosso poder e
a nossa impotência partilham a realidade.
Muitas pessoas sentem instintivamente como um processo
benéfico a reverência diante do destino ou diante de pessoas a que somos
ligados pelo destino. Uma reverência autêntica é quase sempre experimentada por
nós como solução e liberação. Quem precisa se curvar não é a criança pequena,
mas o adulto. E a reverência abarca vários processos: o ato de curvar-se, o
deixar que algo morra, e o ato de erguer-se. Bem longe de ser um processo
humilhante, a reverência exige coragem. Ela proporciona força, alívio da
respiração e abertura de espaço.
O destino, como força que inelutavelmente dispõe, não faz
caso de nossa vontade: ele a toma de roldão, sem esperar o nosso consentimento.
O destino não é uma pessoa, embora frequentemente seja representado por uma
pessoa nas constelações. É um acontecimento direcionado a partir do passado, um
movimento que nos liga, através da alma, à realidade maior. Quantas vezes os
clientes falam de sua luta para não se tornarem iguais a seu pai ou a sua mãe,
e quantas vezes acrescentam que essa luta resultou em fracasso! Quantos
clientes quiseram fazer melhor que seus pais, e quantos confessam que não o
conseguiram! Um dos paradoxos da vida humana é que a luta contra o destino nos liga
ainda mais a ele, e o assentimento ao destino nos torna mais livres. É como um
redemoinho num rio. Quem luta contra a sua sucção é puxado ainda mais para o
interior, e quem sem pânico se entrega à sua força é muitas vezes impelido para
fora.
Reconhecimento do destino não significa entregar-se à
doença sem vontade e com resignação. Significa acompanhá-la com as forças do
corpo e da alma. Então, como num redemoinho, elas são de novo liberadas da
atração da doença ou da morte. Aqui muitas vezes faz sentido perguntar: O que
há na doença que quer curar? Naturalmente, o doente precisa de apoio externo. E
muitas constelações ajudam pessoas enfermas a se confiarem aos serviços
médicos. Mas as constelações também as fazem confrontar-se com a morte. Uma
senhora, gravemente doente de câncer, procurava saber através de uma
constelação as causas de sua doença. O representante da morte, colocado diante
dela, olhou-a com carinho, colocou-se ao lado dela e abraçou-a pelo ombro. Ela
se defendeu com lágrimas, mas o representante da morte não cedeu.
Dois anos depois, essa senhora escreveu ao terapeuta: “Eu
me defendi muito contra a morte, e finalmente a aceitei. Agora ela está a meu
lado já há algum tempo, e estou viva”.
Mas também existe o movimento oposto. Outra mulher com
câncer em estado grave, que se sentia fortemente atraída a seguir na morte seu
pai, enredado em grave culpa, pediu ao terapeuta que se esforçava por
desprendê-la da morte: “Por favor, deixe-me ir para meu pai!” Ela se deitou
junto do representante do pai, estreitou-o nos braços, sorriu para ele com amor
entre lágrimas, até que se acalmou completamente. Na continuação do grupo ela
atuou com alegria e energia e colocou muitas questões práticas sobre seu
comportamento em relação ao marido e aos filhos. Notou-se que ela se preparava
para sua morte. Que vontade terapêutica teria aqui a força e o direito de se
opor à sua morte?
Os mortos
Num filme amador, perguntaram a um curandeiro do Nepal quem
procurava um médico em caso de necessidade, e quem vinha a ele. O curandeiro
respondeu que os que tinham doenças comuns procuravam um médico, e aqueles
sobre quem pesava a maldição de algum morto vinham até ele. O encontro com os mortos
a quem somos existencialmente ligados toma um grande espaço nas constelações.
Sem constrangimento, os consteladores tomam pessoas vivas
para representar mortos, para que possa ser esclarecido, com seus efeitos, um
envolvimento cego ou um seguimento amoroso para a morte. Acontecem então
impressionantes encontros entre vivos e mortos, e são iniciados curtos diálogos
que ajudam a união de corações, a paz recíproca e a liberação mútua. Será um
fantasma?
Nada sabemos sobre a existência dos mortos em torno de nós
ou num outro mundo. Porém todos sabemos que um laço entre vivos e mortos
permanece na alma para além da morte. Falamos com mortos, lembramo-nos deles
nos cemitérios ou em discursos, continuamos a amá-los e a temê-los como se não
tivessem morrido. Nossas questões existenciais, em sua maioria, abordam, além
do amor, a morte. E quem olha em torno com certa atenção pode perceber
diariamente como a morte e os mortos sobressaem em nossa vida.
O trabalho das constelações retoma, de uma forma não mágica
e realizável pelo homem moderno, antigos ritos xamânicos em favor da paz entre
ritos e mortos. Como é tocante quando numa constelação uma mulher adulta se
deita nos braços da mãe que perdeu quando criança em virtude de um acidente! As
emoções da criança, talvez bloqueadas pela carência e pela dor, passam a fluir,
e o amor e a despedida podem ser agora realmente vividos. Como se sentem
aliviados os representantes de mortos que são reconhecidos pela primeira vez
como pertencentes à família, ou dos que, porque honrados em seu sofrimento, se
livram de uma maldição! Como se sentem liberados os representantes de
criminosos ou de vítimas quando sua condição de culpados ou de vítimas já pode
ficar com eles e os vivos renunciam a se imiscuir nisso! Como se sentem redimidos
os representantes de mortos quando se sentem acolhidos entre outros mortos e já
podem realmente ser acolhidos na “grande morte”!
Não é de hoje que tendemos a reprimir a morte e as ligações
carregadas de dívidas que por amor, medo ou dor mantemos com os mortos e com as
histórias de suas vidas. Isso já é, de longa data, conhecido pela psicoterapia.
No decurso de nossa evolução cultural, perdemos o acesso a muitas formas
rituais e sociais de superação da morte e de respeito pelos antepassados. Mesmo
sem as constelações familiares e muito tempo antes delas existe um profundo
anseio de lidar com o morrer, a morte e os mortos de uma forma liberadora e
pacificadora. E para isso as pessoas sempre precisaram de um apoio, por
exemplo, através de um sacerdote ou com a ajuda da psicanálise ou da
assistência ao morrer. Nesse ponto, o trabalho das constelações assume uma
necessidade profunda e supre talvez uma lacuna de rituais e de luto coletivo.
Além disso, as constelações abrem a perspectiva para o
enquadramento psíquico maior do encontro com a morte e com os mortos na alma.
Elas fazem ver o fato individual enquanto enquadrado no contexto e na história
da família, ou de um grupo de camaradas que viveram juntos coisas terríveis na
guerra, ou no destino comum de perpetradores e vítimas, e sempre transcendendo
a morte. Ou elas abrem a alma para a “grande morte”. Isto só parece estranho e
até mesmo absurdo quando é encarado de longe e não no contexto da contemplação
e da experiência imediata. Para os clientes envolvidos e os participantes de
grupos, o encontro entre vivos e mortos geralmente se realiza como que
naturalmente e é muito emocionante e curativo. E mesmo que não saibamos ao
certo o que acontece nas constelações nos domínios fronteiriços dos vivos e dos
mortos, podemos perceber o seu efeito e nos apoiar nisso. Neste particular, as
constelações atuam como uma “cura de almas”.
A reconciliação
A palavra grega therapêuein significa, em sua
acepção original, “servir aos deuses”. Embora em nossa época a terapia seja
vista de uma forma profana, nela permanece algo do sentido primitivo da
palavra, na medida em que, decaídos de uma ordem ou abandonado uma opinião e um
bel-prazer que nos prejudicam, retornamos a uma ordem saudável. Em nosso
linguajar coloquial, exprimimos isso com as palavras: “Preciso pôr alguma coisa
em ordem”. Os conflitos da alma surgem quando forças contrárias nos dividem
inconciliavelmente e conservam-se em oposição irredutível em nós ou entre nós.
A psicoterapia é sempre um trabalho de mediação e reconciliação, embora várias
tendências terapêuticas tenham enveredado pelo caminho oposto, enfatizando a autoafirmação,
uma perspectiva unilateral da autonomia pessoal, a separação e a luta, por
exemplo, contra os pais, os destinos funestos ou as pessoas consideradas más.
Bert Hellinger, ousando chegar a limites extremos, trilhou
imperturbavelmente um caminho que pode abrir dimensões novas (ou retomar
antigas, de uma nova maneira) para a solução de conflitos e o trabalho de
reconciliação.
Os passos para a reconciliação, embora basicamente simples,
geralmente nos parecem difíceis. O procedimento inicial faz com que os
perpetradores reconheçam o mal que fizeram às vítimas. Precisam assumir as consequências
de suas ações e encarar as vítimas e seus sofrimentos. Um segundo procedimento
induz as vítimas a encarar os perpetradores e a aceitar sem reservas sua
ligação de destino com eles. A vítima precisa abandonar a atitude de se julgar
melhor e de se colocar, mesmo perdoando, acima do perpetrador. Num terceiro
procedimento, tanto as vítimas quanto os perpetradores e os descendentes de
ambos honram o acontecimento funesto. Reconhecendo suas oposições, todos eles,
em sua condição de vítimas ou de perpetradores e com seus sentimentos de
vingança e de expiação, se entregam a uma força maior que é “indiferente” para
com bons e maus, assim como o sol brilha sobre ambos, e a morte os trata com
igualdade.
A dificuldade de aceitar criminosos em condição de
igualdade e em sua dignidade humana é uma experiência comum para os
consteladores. Um exemplo: Uma mulher contou que sua mãe, quando era jovem, foi
violentada e quase morta. Confrontada na constelação com o representante do
perpetrador, essa mulher gritou para ele, cheia de ódio: “Eu mato você!”.
Quando o terapeuta observou que sua frase fora a mesma do agressor diante de
sua mãe, ela ficou profundamente impressionada. Ela viera ao grupo porque os
homens sempre a abandonavam, alegando terem medo dela. Vê-se como é difícil
conceder ao criminoso um lugar na própria alma e no sistema familiar, e reconhecê-lo
como equiparado à sua mãe. Às vezes, as próprias vítimas são mais capazes de
fazer isso do que seus amorosos descendentes, que não dispõem dos mecanismos de
elaboração da pessoa envolvida, e por isso ficam entregues à indignação ou ao
desejo de vingança e de cega compensação.
Outras vezes é mais fácil para os descendentes, devido ao
maior intervalo de tempo, atuar na reconciliação, ajudando as almas do agressor
e da vítima a se encontrarem face a face e a se reconciliarem. Às vezes só
resta aos atingidos o esquecimento e, reconciliados ou não, o assentimento e a
reverência diante do destino que os associou como vítima e agressor. E aos
pósteros, só resta às vezes a reverência diante dos antepassados, reconciliados
ou não. Talvez eles possam se tornar “permeáveis” a algo maior no que toca ao
efeito do destino de vítimas e agressores, para que esse efeito possa ser
abolido nessa realidade maior.
É o próprio processo da constelação que determina como
iniciar a reconciliação ou o que é preciso observar em cada passo. O terapeuta
limita-se a olhar e a escutar a alma do cliente e de sua família, abrindo
espaço, com suas poucas intervenções, às forças que resolvem os conflitos e
atuam de forma reconciliadora. Seja qual for o caso, abuso ou assassinato de
filhos, trapaça financeira, paternidade clandestina, traição, atrocidades de
guerra, extermínio de judeus ou terrorismo de qualquer espécie, as constelações
mostram uma força incrivelmente reconciliadora e liberadora, em que pesem as
imperfeições e as tentativas frustradas, superficiais ou mesmo traumáticas dos
consteladores.
Acusar de antissemitismo ou de tendências fascistas esses
procedimentos das constelações é uma atitude absurda e degradante. Que, depois
de homenagear as vítimas, também se encare a dignidade dos perpetradores e as
fronteiras imprecisas entre criminosos e vítimas, é uma atitude que choca
muitas pessoas, e os próprios consteladores enfrentam dificuldades na presença
de graves injustiças. Mas quem lê as publicações mais recentes percebe também a
manifestação de um novo empenho, não somente para que sejam honradas as vítimas
e seu destino, mas também para que os criminosos sejam considerados como seres
humanos e seja respeitada sua dignidade. Foi um rabino judeu que afirmou: “Não
haverá paz até que o último judeu faça a oração dos mortos por Hitler”. Embora
Bert Hellinger e os consteladores não estejam sozinhos nesse trabalho de
reconciliação que honra tanto as vítimas quanto os criminosos, o significado do
“amor aos inimigos” dificilmente é experimentado no domínio da psicoterapia e
do aconselhamento de forma tão sensível como nas constelações.
Entretanto, não existem realmente diferenças objetivas
entre bons e maus? E a observação de que tanto as vítimas quanto os criminosos
estão a serviço de um destino maior, não abre ela as portas para a
arbitrariedade e a injustiça no comportamento humano? Não podemos dizer que
temos sempre uma resposta para isso, mesmo abstraindo de destinos concretos.
Muitas vezes, porém, um primeiro passo importante para a reconciliação e a paz,
apesar das oposições e mesmo da luta pela própria causa, que frequentemente é
necessária, é reconhecermos o adversário como igual a nós e não nos
considerarmos melhores do que ele.
Diariamente experimentamos que a realidade costuma ser
maior do que nossa vontade. Mesmo quando criamos uma realidade, nem sempre
podemos controlar as consequências de nossas ações. Um dos efeitos profundos do
trabalho das constelações é que nos ajuda a confiar no desenvolvimento do
sentimento humano, para além da culpa e das incriminações, renunciando a
flagelar nossos semelhantes como desumanos. Só entramos em sintonia com a
realidade quando também reconhecemos o funesto e o terrível como fazendo parte
dela, e lhes deixamos um lugar. Muitos desenvolvimentos positivos recebem sua
força e seu direcionamento desse reconhecimento e respeito pelo terrível.
A ajuda
Como prestadores de ajuda, somos obrigados a colaborar no
desenvolvimento de algo bom que faça progredir aqueles que se encontram em
necessidade. A ajuda3 é uma faculdade que se baseia em treinamento e
experiência. Estamos acostumados a ver a faculdade terapêutica encaixada em
instituições de psicoterapia e aconselhamento e em sua respectiva
administração, que velam pelo desenvolvimento dessa faculdade e para impedir
abusos em seu exercício. O trabalho das constelações familiares, como
originariamente muitos outros métodos de ajuda, se desenvolveu fora da
psicoterapia estabelecida e não reivindica lugar como um método terapêutico
reconhecido. O que muitos teóricos e praticantes sentem como afronta no domínio
da terapia é a observação de Bert Hellinger, partilhada por muitos
consteladores – não por todos – que o trabalho com constelações vai muito além
da psicoterapia.
Os críticos objetam que com isso se abrem amplamente as
portas para tolices esotéricas. Afirmam que o trabalho com as constelações visa
realmente efeitos terapêuticos e que por isso ele deve sujeitar-se às leis que
regulam a terapia e às normas de uma terapia cientificamente controlada, ou
deve deixar de existir.
Neste particular também vem acontecendo importantes
discussões entre os consteladores, e campo está aberto para o desenvolvimento.
As “Ordens da Ajuda” de Bert Hellinger 4, que resumem sua longa experiência e
suas convicções sobre o tema da ajuda, contém matéria explosiva que exerce
provocação, tanto sobre a esfera externa quanto sobre o “cenário” dos
consteladores:
Somente é capaz de ajudar quem assumiu plenamente os
próprios pais e a vida. Só é capaz de ajudar quem renuncia a dar ao cliente
mais do que ele precisa. Só pode ajudar quem tem a capacidade de dar o que o
cliente necessita. Muitos ajudantes5 correm o risco de que seu impulso de
ajudar resulte de sua própria carência, de uma simpatia que se restringe aos
fracos e às vítimas, e da pretensão de estarem à altura de todos os destinos de
seus clientes. Toda ajuda deve ajustar-se às circunstâncias na vida do cliente
e só pode intervir em caráter de apoio, e quando o permitam as circunstâncias.
Somente respeita a dignidade do cliente a ajuda que não se coloca acima dessas
circunstâncias, do destino do cliente e de sua vocação pessoal, de suas
aptidões e de sua capacidade de decisão.
Na psicoterapia tradicional infiltraram-se padrões de
pensamento segundo os quais os terapeutas poderiam ser mecânicos, juízes,
cônjuges ou pais. Principalmente esta última tendência foi grandemente
reforçada através do modelo teórico e do prático de transferência e
contratransferência, com a “elaboração” de conflitos e a ideia de
acompanhamento posterior com o correspondente prolongamento da terapia.
A constelação familiar não trabalha com transferência e
contratransferência, embora não conteste a existência desses processos. Mas o
constelador se desprende deles, da melhor forma possível. O terapeuta ou o
aconselhador conduz o cliente, quando isso é necessário, diretamente para os
pais dele. Ele só os representa transitoriamente e por pouco tempo, apoiando,
por exemplo, a recuperação do movimento amoroso, sem colocar-se, entretanto, no
lugar dos pais. Ele renuncia a acompanhar o cliente durante um período de sua
vida e a oferecer-lhe um espaço de substituição ou de proteção para seu
crescimento na segurança do espaço terapêutico. Ele só lhe dá um estímulo para
o crescimento, geralmente sem acompanhar a realização de seu crescimento na
vida concreta.
A constelação familiar, entendida desta maneira, não é uma
terapia. Ela se assemelha realmente a uma “predição”, um “oráculo” ou um
“vaticínio”, na medida em que traz à luz laços de destino e seus efeitos. Ela
ajuda a “ver”, sem buscar influenciar o que o cliente fará com ela, e sem que o
ajudante desempenhe um papel nisso. Para além de uma “predição”, a constelação
também ajuda as pessoas a sentirem o próprio amor, frequentemente oculto no
destino cego. Ela possibilita abrir os olhos para o amor, estabelecendo
relações cara a cara. E também aqui o terapeuta se coloca antes a serviço do
diálogo do cliente com seu sistema de relações do que a si mesmo como
interlocutor do diálogo. A constelação familiar mostra os caminhos para uma
compensação positiva em vez de uma compensação funesta. Ela fornece indicações
sobre o que ordena as relações, tanto para o mal quanto para o bem. Ela faz
confrontar, às vezes duramente, com a realidade, mas não diz o que a pessoa
deve fazer ou deixar, ou como será seu futuro. Nesse particular, ela deixa a
pessoa que busca auxílio sozinha, ou no círculo de sua família e de outras
relações existenciais. Isso muitas vezes parece ser chocante para as pessoas no
exterior, se bem que muitos clientes experimentem justamente essa atitude como
confiável, aliviadora e fortalecedora, pois com ela são tomados a sério e se
sentem livres.
Outra coisa que incomoda observadores externos é que os
consteladores às vezes olham menos para o que a própria cliente precisa do que
para as necessidades de outros membros do sistema, principalmente dos excluídos
ou incriminados. A principal atenção se dirige para a incorporação dos que
estão separados num sistema de relações, e não apenas para o cliente e sua
autonomia. O autêntico ajudante, no sentido de Bert Hellinger, resiste à
diferenciação entre o bem e o mal e, com isso, à consciência pessoal do
cliente. Ele antecipa a necessária ação do cliente, na medida em que dá em sua
alma um lugar aos excluídos ou incriminados.
Ao abrirem um espaço para além dos efeitos da consciência
do grupo, os consteladores têm em vista o que sugere a “grande alma” – um
contexto que aponta para além dos grupos individuais – numa determinada
situação de vida, como conveniente para o crescimento ulterior. Tanto a
consciência pessoal quanto a coletiva são acolhidas numa espécie de consciência
“universal”, direcionada para o todo maior. Aqui a configuração de sistemas de
relações também se distancia de uma psicoterapia e um aconselhamento puramente
orientado para soluções. Abre-se um nível mais espiritual, na medida em que se
encara a ligação com algo “maior”, que está fora de nossa disponibilidade e
possibilidade. Orienta-se no sentido do crescimento e do desenvolvimento na
direção de um “espaço aberto”. Nisso reside o que na constelação familiar é
“mais que uma psicoterapia”.
A ajuda que ocorre no interior desse “mais” dificilmente se
enquadra nas instituições de ajuda e em seus regulamentos. Nesse ponto se
insere, talvez, a crítica dos teólogos e a luta contra o método das
constelações, como se ele fizesse parte de uma cena esotérica. Como esse “mais”
abrange aconselhamento e psicoterapia, e o trabalho das constelações se
processa tanto dentro quanto fora das correspondentes instituições, os
conflitos são facilmente compreensíveis e quase programados por antecipação.
A
responsabilidade em constelar
Em razão da euforia fundada na profundidade das vivências e
na densidade humana de muitas constelações, muitos consteladores correm o risco
de se descuidar, justificando as críticas. O que nos ajuda para trabalhar
responsavelmente com constelações familiares?
O cuidado significa aqui agir com sobriedade e clareza,
correção e plausibilidade. Além da atitude e da reserva fenomenológica,
constantemente aconselhada, precisamos nos direcionar para a vida comum. Não se
trata de direcionar os clientes ou suas famílias a um padrão único, de acordo
com nossas concepções, mas de colaborar para que o que é “maior”, seja o que
for, possa atuar como incentivo e solução no dia a dia do cliente. O milagre
não está na unidade do múltiplo, mas na multiplicidade do uno.
Toda a sabedoria é inútil quando não se refere a situações
individuais ou coletivas. Por mais que encaremos a alma humana como uma espécie
de “campo”, ela não deixa de abranger pessoas individuais. Ela só existe e se
mostra através de indivíduos. Por mais que os movimentos sistêmicos permaneçam
no primeiro plano das constelações, eles não existem sem os indivíduos num
sistema, isto é, sem a mãe prematuramente falecida, sem o avô suicida, sem o
cliente com sua necessidade ou doença. “You cannot kiss a system”. Para
corresponder realmente à necessidade do cliente, a atenção do terapeuta deve
realmente passar através de seu sistema de relações, porém sem perder de vista
o cliente e suas necessidades concretas, e absolutamente sem feri-lo.
No tocante aos efeitos externos do trabalho das
constelações, recomenda-se considerar os seguintes aspectos: Quem oferece
constelações como psicoterapia também precisa possuir habilitação legal para a
prática da psicoterapia. Quem não a possui não deve despertar a impressão de
praticar terapia, nem atender a expectativas terapêuticas no sentido
tradicional e legal. Precisa limitar-se ao aconselhamento, que até agora –
felizmente – não foi regulamentado. Naturalmente, no trabalho concreto fica
difícil definir os limites entre psicoterapia e aconselhamento, entre curar e
aconselhar.
Seguramente não se justifica enaltecer a constelação
familiar como o único método capaz de resolver tudo e trazer felicidade. Por
mais liberador e saudável que seja seu efeito para a alma, ela não produz
redenção nem salvação. Por mais espiritual ou religiosa que possa ser ela não é
uma religião. O êxito de um método tende a colocá-lo em evidência, em lugar da
intenção ou da necessidade do cliente, ao qual o método serve. Muitos clientes
preferem fazer uma constelação a descrever seu problema, seja ele uma briga
entre irmãos, um conflito conjugal, a busca do lugar certo em sua vida ou o
risco de suicídio de um filho. Mas a participação numa constelação não
significa por si só uma receita de sucesso.
O “mais” do trabalho das constelações é em muitas situações
também um “menos”. Por exemplo, a constelação familiar não substitui o
tratamento psiquiátrico, embora frequentemente seja útil para famílias onde se
manifesta um comportamento psicótico. Não substitui o tratamento médico em
casos de doenças. Não substitui o atendimento social, com as decisões de sua
competência. Não substitui todas as instituições que se dedicam a intervenções
em casos de crises. Nem substitui os métodos de ajuda à alma, quando alguém
precisa apreender o que necessita para o domínio de sua vida e que, pelas circunstâncias
de sua história, ainda não aprendeu. As constelações não são úteis para
mudanças de personalidade, embora possam interferir profundamente no processo
de crescimento da pessoa. Elas não substituem o treinamento ou a disciplina
espiritual, quando alguém quer se desenvolver nesse sentido. E não substituem
os domínios da experiência quotidiana dos clientes a que servem, mesmo que
possam proporcionar-lhes luzes extraordinárias.
O cuidado no trabalho com constelações também envolve a
aprendizagem. Nesse particular, muito se discute nos círculos de consteladores
sobre o que é necessário aprender para dirigi-las. Até o momento pertence a
cada um testar-se para sentir se está pronto e capaz de assumir a
responsabilidade por esse trabalho. Note-se que a atitude fenomenológica que
abre mão do saber só tem significado para aquele que sabe algo. Ela não
significa “sem capacidade”, “sem experiência” ou “sem competência”. A atitude
de agir “sem medo” não significa ausência de respeito pelas forças com que
temos de lidar nas constelações. A atitude de atuar “sem intenção” não
significa que nos deixemos arrastar nas constelações pela arbitrariedade e pelo
acaso. E o atuar “sem amor” se refere ao domínio da transferência e da contratransferência,
e não significa falta de amorosidade.
Também de nós, consteladores, continua exigindo um
constante esforço assumir cada pessoa, cada família, cada sistema, cada
realidade como ela é, de modo que também o cliente possa reconhecer mais
facilmente o que necessita para a solução de seus problemas e para o seu
próprio crescimento.
1 A tradução, autorizada pelo Autor, reproduz quase
integralmente o artigo “Wille und Schicksal” (Vontade e Destino),
publicado originalmente em resposta a críticas levantadas recentemente na
Alemanha contra o trabalho de Bert Hellinger. Foi excluída da presente tradução
a página inicial, pelas referências a um contexto para nós desconhecido. (N.T.)
2 Na Alemanha apenas se usa o sobrenome paterno, que as mulheres
normalmente substituem no casamento pelo sobrenome do marido. (N.T.)
3 Entendida num sentido profissional. (N.T.)
4 Publicado no site www.hellinger.com. Existe uma tradução de nossa
autoria. (N.T.) 5 No original, Helfer. Entendem-se
aqui sobretudo os profissionais da ajuda. (N.T.)
Agradecimento
Muito agradeço aos amigos e colegas que me apoiaram
neste artigo com valiosos estímulos e correções: Bernhard Haslinger, Eva
Madelung, Albrecht Mahr, Wilfried de Philipp, Katharina Stresius,Gunthard Weber
e Berthold Ulsamer. Tradução: Newton Queiroz Rio de Janeiro, fevereiro de
2004.