A EXCLUSÃO FAMILIAR
Nos
últimos tempos a questão da família tornou-se um dos elementos mais importantes
nas diversas pautas políticas e agora aparece de maneira intensa nas
propagandas eleitorais. Até que ponto nossos representantes políticos estão
preocupados com as verdadeiras questões que atingem nossas famílias? Dão a
impressão de estarem preocupados com os votos dos eleitores mais ingênuos.
Ao
mesmo tempo, muitas lideranças religiosas empenham seu apoio a certos
candidatos tomando por base esse mesmo discurso em prol da família. Parece que
esse tema se tornou moeda de compra e venda (ops) no mercado eleitoral.
Gostaria de refletir um pouco, de maneira introdutória, a respeito da questão
relativa à exclusão familiar, tão desafiador para as religiões como para a
sociedade, sendo um dos principais problemas investigados pelas ciências
humanas.
Um
dos maiores vultos da psicanálise, Jacques Lacan, dizia que “entre todos os
grupos humanos, a família desempenha um papel primordial na transmissão da
cultura”. Portanto, não precisamos nem dar uma fundamentação bíblica a respeito
desse tema. A família exerce um papel determinante na estruturação da
identidade pessoal e social da pessoa. É ponto pacífico na psicologia a
consideração de que é na infância que se estruturam as bases para a pessoa
enfrentar a vida e nesse processo tem papel determinante as funções materna e
paterna (pai e mãe). Um não substitui o outro e nem incorpora a função do
outro. Não há mãe-pai! Mas isso é problema para outro artigo.
No
campo das Constelações Familiares, que é uma terapia alternativa já bem
desenvolvida entre nós que busca identificar as causas de problemas e conflitos
pessoais a partir de uma dinâmica de grupo, é certo afirmar que cada um de nós
está ligado ao destino de nossas famílias das mais diversas formas, de maneira
consciente e inconsciente. Em razão desse elo forte que nos une ao grupo
familiar, não estamos isentos de problemas quando alguém é excluído, rejeitado
ou esquecido no seio familiar.
Isso
já é suficiente para concluirmos que a redução da questão da família apenas ao
contexto da moral sexual ou religiosa torna a discussão não apenas objeto de
infindáveis discussões, mas não atinge em geral os graves problemas que a
sociedade atravessa. Por isso, a pauta política que os candidatos apresentam
tendo a família como destaque não apenas é superficial, como também dissimula
os reais problemas inerentes às famílias.
Interessa-nos
refletir um pouco a respeito da exclusão que ocorre no seio familiar. Não
haverá nenhuma solução do problema caso a opção seja pela indiferença ou
esquecimento em relação ao membro excluído, chamado popularmente de “problema”,
de “vergonha da família”, de “irresponsável”, etc. Imagina como ficará essa
estrutura familiar caso se opte pela agressão, pela violência! Nesse caso, a
exclusão alcança níveis que levam à própria destruição do outro. Como crescem
os assassinatos especialmente os feminicídios dentro dos contextos familiares!
Além
disso é preciso considerar que qualquer processo de exclusão executado hoje
terá impacto nas gerações futuras. Ao mesmo tempo, exclusões ocorridas no
passado produzem consequências atualmente nas gerações familiares que provenham
dessa origem comum. Isso nos diz que qualquer membro de uma estrutura familiar
é importante e para o bem do grupo não poderá em nenhuma espécie ser excluído.
Aquele “problema” não pode simplesmente ser descartado.
Não
há caso perdido na gênese de nossa estrutura familiar. Qualquer tipo de
exclusão familiar traz graves e profundos desequilíbrios biológicos, sociais e
psicológicos. Somos obrigados à tarefa de incluir todo membro familiar no
presente para que se viva melhor hoje e não provoque desequilíbrios nas futuras
gerações. Cada pessoa deve encontrar um lugar na alma de cada membro da
família. Ninguém é tão poderoso que seja capaz de “deixar para lá”. Carregamos
sempre o outro conosco, mesmo morto.
A
identificação de alguma espécie de exclusão no seio familiar é o primeiro passo
para a busca de solução para inúmeros problemas que atropelam a convivência
familiar. É muito cômodo imputar ao filho “problemático” como alguém
desajustado, que se perdeu em função de más companhias. Há que se ter um enorme
esforço de conhecimento para encontrar o nó desse desajuste. Enquanto esse nó
não for desatado, o que não acontece por milagre religioso como tantos buscam,
a situação não apenas deverá continuar, mas irá se agravar.
Assumir
a realidade daquele fato, daquele “problema”, de maneira corresponsável, será o
caminho para se encontrar uma boa solução para cada um do núcleo familiar e
para os outros. Dificilmente outras instituições, externas à família, terão
êxito tão alvissareiro sem a luta radical pela inclusão familiar. Grande parte
dos problemas que os professores encontram nas salas de aula tem sua origem na
estrutura familiar presente ou passada.
A
título de exemplo podemos mencionar a questão das separações que ocorrem entre
os casais. Quando isso acontece, é preciso tomar inúmeros cuidados para que o
outro não seja excluído sob a forma de assassinato como temos visto crescer
essa prática entre nós. Mas também nas separações não deveriam acontecer
exclusões como um descarte do outro, como negação do outro, ou destruição da
pessoa do outro sob diversos aspectos.
Têm
sido noticiados diversos processos jurídicos de condenação de pais por
“abandono afetivo” e muitos homens se queixam que estejam dando a pensão de
maneira regular e podem também serem condenados. É pelas mãos do pai que a
criança ganha caminho no mundo, pois seu olhar volta-se para a amplitude, para
além dos limites da função materna. Por isso estão equivocadas aquelas mães que
se dizem cumprir a função de pai e de mãe.
Por
fim, parece-nos que o melhor caminho para tratar da inclusão familiar seja
aquele que busca desenvolver processos de cuidado com as estruturas familiares,
sejam elas quais forem. Com casamento ou não, cada estrutura familiar tem um
papel determinante na saúde da sociedade. Quando crescem as situações de
exclusões familiares, elas irão repercutir nas instituições sociais
especialmente na escola. Sem esse cuidado que antecede a ida à escola
dificilmente o processo educativo terá eficácia no desenvolvimento de cada
criança, cada jovem. A exclusão familiar representa um dos mais graves e
complexos problemas que impacta a sociedade atual.
Edebrande Cavalieri - O
autor EDEBRANDE CAVALIERI é Professor Titular da Universidade Federal do
Espírito Santo na área de Filosofia por 33 anos. Doutor em Ciências da Religião
pela UMESP-SP e autor dos livros: Via a-teia para Deus e a ética teleológica a
partir de Edmund Husserl, EDUFES, 2012; Estudos de Fenomenologia da Religião,
CRV, 2018; Ética e Religião, CRV, 2016; Conjuntura eclesial e religiosa, CRV,
2020. Para adquirir entre em contato com o Prof. EDEBRANDE CAVALIERI
pelo telefone: +55 27 99989-6254